29/05/2025

Justiça livra metalúrgica de dívida fiscal de falida

Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
Uma sentença da 1ª Vara Federal de Passo Fundo (RS) afastou a
responsabilidade tributária da Imex Metalúrgica, produtora de máquinas
extrusoras, pela dívida de mais de R$ 30 milhões de uma empresa falida. O
juiz federal Rafael Castegnaro Trevisan entendeu que as companhias não
são do mesmo grupo econômico, apesar de sócios de ambas serem
familiares. Tampouco haveria confusão patrimonial no caso.
A decisão foi dada em pedido de Incidente de Desconsideração da
Personalidade Jurídica (IDPJ), ferramenta adotada pela Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional (PGFN) para casos com indícios de fraude e sonegação
fiscal. Ao Valor, o órgão informou que vai recorrer da sentença e que cerca de
70% dos acórdãos no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com
sede no Rio Grande do Sul, são favoráveis à União.
Nesse caso, a PGFN obteve liminar para bloquear parte dos bens da Imex, que
ficaram indisponíveis por mais de dois anos. Com a sentença, a constrição foi
revista. A dívida original é da falida Extruder Maschinenfarik Metalúrgica Ltda
(EME), que não tem patrimônio para quitar o débito. Portanto, transferir a
responsabilidade da dívida a terceiro seria a única forma de a Fazenda Nacional
receber os valores dos tributos não recolhidos.
A União apresentou o pedido de IDPJ após ter sido reconhecido, em uma ação
trabalhista, que as empresas formam um grupo econômico. A PGFN
argumenta que a EME foi dissolvida irregularmente e foi criado um novo grupo
econômico familiar, o que caracterizaria a sucessão empresarial.
Outro indício seria o fato de, após a saída de uma das sócias do quadro
societário da EME, ela ter permanecido na administração da empresa e
gerenciado a Imex ao mesmo tempo, por meio de procuração. Além disso, após
a falência da EME, houve transferência de grande parte dos funcionários para
a Imex, que também herdou parte da carteira de clientes. Ambas as companhias
compartilharam o mesmo endereço.
A Imex defendeu que as atividades dela e da EME são complexas e similares e,
por isso, seria natural haver migração dos funcionários e clientes após o
fechamento da EME, que encerrou as atividades após a morte do dono, Ramon
Paulos Francisco, em 2018. Segundo a metalúrgica, o patriarca não tinha boa
relação com os filhos e netos - eles inclusive moveram ações trabalhistas contra
o pai e avô -, o que mostra não ter havido conluio ou fraude.
Na sentença, o juiz Rafael Castegnaro Trevisann diz que o Código Tributário
Nacional (CTN) não disciplina a configuração de grupo econômico, mas a
jurisprudência tem fixado parâmetros. É preciso, segundo ele, demonstrar
“confusão de patrimônio, fraudes, abuso de direito e má-fé com prejuízo a
credores”, como definiu a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Para
a Corte, a mera existência de grupo econômico não gera responsabilidade
solidária (REsp 1775269).
Na visão do magistrado, as provas não demonstraram intenção dos familiares
de pertencerem ao mesmo grupo. “O conjunto da prova claramente gera o
convencimento, deste juízo, de que não houve conluio ou atuação conjunta, de
membros da família, com a intenção de blindar patrimônio da executada ou
frustrar a satisfação do crédito tributário”, afirma.
De acordo com ele, as empresas, na verdade, são concorrentes e a EME só
fechou as portas por conta da morte do sócio-administrador, Ramon Paulos
Francisco. “A relação de parentesco entre os sócios das empresas é inequívoco,
assim como a atuação, das empresas, na mesma área. Ocorre que tais elementos,
objetivos, não bastam para a caracterização da responsabilidade tributária”,
adiciona o juiz.
O tributarista Samuel Hickmann, sócio do Hickmann Advogados Associados,
que representa a Imex no caso, diz que a companhia foi “surpreendida” pelo
bloqueio do patrimônio em janeiro de 2023. Segundo ele, a PGFN costuma
propor os IDPJs como um “incentivo” para que o devedor faça uma transação
e pague a dívida, algo que Hickmann normalmente indica. “Mas esse foi o único
IDPJ que contestamos, porque há erro, a Fazenda apurou os fatos pela
metade”, afirma.
Segundo o advogado, embora as duas empresas tenham a mesma atividade e os
sócios da Imex fossem filhos de sócio da EME, devedora originária, não seria
o caso de imputar responsabilidade tributária. “Os filhos brigaram com pai e
abriram a empresa antes da morte do pai. A empresa só faliu porque não tinha
quem conduzisse o negócio”, diz.
A decisão é importante, acrescenta, porque a Imex não teria condições de
assumir a dívida da EME, pois já tem seu passivo tributário transacionado com
a PGFN. Na visão dele, o IDPJ é um instrumento válido, que tem sido muito
usado pela Fazenda.
“O problema é que não dá a chance para o contribuinte se defender antes de
bloqueio de patrimônio”, afirma ele, acrescentando que cerca de R$ 120 mil da
Imex foram congelados, o que causou problemas para o fluxo de caixa da
empresa.
A procuradora Luciane Tosin, coordenadora das Ações Especiais de Cobrança
do Sistema de Recuperação de Crédito (SRC) da 4ª Região, diz que esse caso é
fruto de uma investigação do órgão, que tem 24 pessoas na equipe especializada
para detectar fraudes tributárias. “A procuradoria se estruturou nos últimos
anos e, desde 2021, existem equipes exclusivas para focar nesses casos, o que
permitiu um aperfeiçoamento do trabalho”, afirma.
Com auxílio de programas de inteligência, são deflagradas operações internas,
principalmente contra grupos econômicos em que há indícios de confusão
patrimonial e dissolução de patrimônio. “É muito comum depois de ter sido
deflagrada a operação ou bloqueado algum bem, o contribuinte querer vir para
negociação. Mas alguns preferem não negociar, então seguem na discussão
judicial.”
Segundo ela, a regional do órgão conseguiu bloquear em torno de R$ 60 milhões
no ano passado com essas estratégias. Nesse caso, ela avalia que o juiz
considerou muito mais a prova testemunhal do que os documentos
apresentados pela procuradoria. “A prova produzida pela procuradoria
demonstra que tinha uma unidade entre a devedora e empresas constituídas
depois, com aproveitamento da estrutura originária”, diz.
O advogado Lucas Barcellos, do escritório KLA Advogados, afirma que a
existência de um grupo econômico não é suficiente, é preciso que haja um
interesse comum das empresas para que uma seja responsável solidária pela
dívida da outra, como prevê o artigo 124 do CTN. “Não é porque se está no
mesmo grupo, que as empresas vão ter interesse comum. É preciso demonstrar
o cumprimento do artigo 124. As provas precisariam demonstrar desvio de
finalidade, confusão patrimonial e abuso da personalidade jurídica.”